quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Análise atrasada do Jogo 4 das finais

Aqui o texto que escrevi e não consegui postar a tempo. Divirtam-se!

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Em 2022 você acordará na sua cama de forma geométrica estranha, em um colchão feito por um material que ainda não conhecemos e dirá "vidgiogueme", assim, sem pausas mecânicas e pronúncia correta, e o computador central que comanda sua casa irá perceber que seu dono acabou de acordar e quer jogar video game. Em especial o NBA 2k22. Lá você poderá jogar em grandes momentos do passado da liga, como com o Dallas Mavericks de 2011 no "Fever Game" de Dirk Nowitzki e vencer o famoso Super Miami Heat que dominou a liga vencendo 7 títulos na década anterior (não podemos esquecer da chance do seu computador central dizer "acho que você não deve jogar agora, Dave" e te deixar na mão, aí você vai ter que sair para o terrível Mundo Real, um jogo com gráficos bons mas poucos personagens interessantes).

A façanha será considerada histórica justamente porque foi contra um grande time e porque jogadores atuando bem doentes seguem à risca a "Cartilha Michael Jordan de como ser grandioso". Mas nesse caso o objetivo do jogador não será ter uma atuação de trocentos mil pontos com o Nowitzki, é mais difícil que isso, o objetivo é conseguir um sólido e discreto double-double com o alemão enquanto se joga bem com todo o resto da equipe. Tem que ter o Jason Kidd metendo bolas de longe, JJ Barea fazendo bandejas contorcionistas, Shawn Marion fazendo cesta na cara do LeBron James e o Jason Terry brilhando no quarto período. Isso sim que é desafio pra ficar na história.

A tentação é elevar essa atuação do Nowitzki a patamares épicos pela sua superação, mas a verdade é que foi seu pior jogo nos playoffs (padrão alto, eu sei) e que os seus únicos grandes momentos foram nos primeiros e nos últimos minutos do jogo, quando acertou seus três primeiros arremessos e depois quando selou a vitória com uma linda bandeja sobre o Udonis Haslem. O alemão deve agradecer a chance de fechar o jogo, porém, a todo o resto da equipe que pela primeira vez na série brilhou como deveria. Antes do jogo 4 o Mavs tinha jogado apenas 22 minutos sem o Dirk em quadra somando os três primeiros jogos, nesses minutos eles tomaram 31 pontos a mais do que fizeram! Em uma série de jogos apertados decididos na última posse de bola o número é de assustar.

Os principais culpados eram Jason Terry e JJ Barea, ambos os responsáveis por carregar o ataque dos reservas do Mavs e ambos indo bem mal. Terry estava sendo bem marcado, o Heat provavelmente assistiu os últimos 10 anos da NBA e percebeu que o Terry gosta tanto de infiltrar que se está livre em um contra-ataque para de repente e chuta de meia distância. Eles então sempre tiram o espaço do arremesso do Terry, mesmo que isso signifique um corte seco do armador do Mavs. O drible é bonito, ele fica com o espaço para infiltrar, mas não quer, não sabe, tem medo e geralmente falha. Já o Barea estava com dificuldades porque o Heat estava defendendo bem o seu pick-and-roll, fechando bem os ângulos de ataque a cesta e emperrando o armador porto-riquenho. A ajuda poderia vir de quem estava no Peja Stojakovic ou Shawn Marion, por exemplo, dois jogadores que quando livres no perímetro não oferecem nenhum perigo. O Peja deveria ser um perigo, mas gastou todas as bolas de três que comprou no pré-pago naquela série contra o Lakers.

Para o jogo 4 então o Rick Carlisle fez o seu primeiro ajuste no quinteto inicial, tirou DeShawn Stevenson e colocou JJ Barea. A escalação com dois armadores da posição 1, no caso Jason Kidd e Barea, geralmente é pouco usada por um período grande de tempo porque a defesa fica comprometida com o excesso de jogadores baixos, mas nesse caso não há perigo. É até melhor na verdade. O Jason Kidd é um baita defensor, aos 38 anos está defendendo melhor do que nos tempos áureos de Nets e Suns se duvidar, e ele está dando conta do Dwyane Wade mesmo que as atuações espetaculares dele tentem mostrar o contrário. Acredite, sem Kidd o Wade estaria fazendo uns 40 pontos por jogo. Isso deixa o anão Barea marcando o Mike Bibby o que, nessa série, equivale o mesmo a marcar um cone, uma garrafa de água ou a senhora rica que passa o jogo inteiro no celular na primeira fileira. Todos eles são usados e úteis para o Heat quase do mesmo jeito durante essa série, com a garrafa de água liderando por uma pequena margem sobre os outros. Quando Barea vinha do banco o seu matchup era o Mario Chalmers, bom ladrão de bolas que estava incomodando o Barea no ataque e na defesa. Sem contar que atuando com todos os titulares do Barea ganha mais espaço para atuar, a defesa do Heat respeita mais Jason Kidd, Nowitzki e não saem todos para evitar as infiltrações do Barea.

Mas a grande mudança tática do Mavs foi em relação ao pick-and-roll. Ao invés de começar essa jogada com o Dirk Nowitzki fazendo o corta-luz, colocaram o Tyson Chandler. Não sei se a inspiração foi um teste, algo treinado ou só causado pelo cansaço e dia ruim do Dirk, mas deu certo. O Heat não estava preparado para defender o Chandler ao invés do Dirk e não soube lidar com um pivô que ao invés de ficar para o arremesso corre para a cesta, outra coisa foi que ao invés de Kidd ou Barea, Jason Terry foi responsável por ser o cara que controlava a bola em muitas dessas jogadas. Isso envolveu mais ele no jogo e criou o espaço para que ele acertasse alguns arremessos importantes quando o Mavs voltou ao jogo no 4º período. Algumas bolas foram até de infiltração, é verdade, mas claramente não é a dele. Quando a jogada começou a dar certo a defesa do Heat tentou dar mais atenção à dupla Terry e Chandler, liberando alguns arremessos do Kidd e do Dirk, que nessa jogada agem só como chutadores. Eles, como boa parte do time no primeiro tempo, tiveram dificuldades em acertar algumas bolas livres, mas a estratégia foi ótima.

O que salvou eles foi que o Tyson Chandler no pick-and-roll força o pivô do Heat (seja ele Chris Bosh, Joel Anthony ou Udonis Haslem, depende da formação) a sair do Chandler para marcar o homem do drible, isso é tudo o que o pivô do Mavs precisa para se posicionar com vantagem no garrafão, o que resultou em 9 rebotes ofensivos só para ele. Em dias de arremessos tortos ter ele salvando a pátria lá embaixo foi essencial. Durante uma boa parte do jogo o Mavs parecia muito melhor e mais organizado no ataque, com uma movimentação de bola impecável e uma série de bloqueios que parece estar deixando a defesa do Miami Heat maluca, mas faltava alguém finalizar essa movimentação de bola com bolas certeiras. As segundas chances criadas por Chandler compensaram a má pontaria. O meu foco aqui foi nas mudanças táticas, mas preciso pelo menos citar o Shawn Marion que durante boa parte do jogo foi o único jogador do Dallas a ser capaz de botar a bola no chão e criar um arremesso próprio, mesmo que esse arremesso seja algo feio, tosco e que sempre pareça que vá dar errado. Os fins justificam os meios e os arremessos espremendo a bola.

Tá bom, tá bom, mas cadê vocês falando dos míseros 8 pontos do LeBron James em uma final da NBA? Estão defendendo ele de novo né? Meu deus, nunca mais vou ler o Bola Presa! Calma, calma, vamos lá. O discurso do King James é perfeito: ele diz que não precisa forçar o jogo já que tem Wade e Bosh inspirados e em bom dia atuando do seu lado, ele está sendo um facilitador e dando espaço para os outros jogadores do seu time em melhor fase brilharem. O problema é que o discuro é tão bom, mas tão bom, que o LeBron está levando ele muito a sério! Tá bom, ele estava em um dia ruim, mas mesmo em dias ruins ele pode driblar o Jason Terry e cavar uma falta. Mesmo em um dia de arremessos tortos é uma obrigação moral arremessar por cima do Jason Kidd se ele recebe a bola próximo a cesta. Ele não jogou mal e distribuiu bons passes, mas levou o papel de coadjuvante a sério demais, deixando de se tornar uma ameaça no ataque e facilitando o trabalho da defesa do Mavs. Ele precisa entender (e deveria saber isso dos tempos de Cavs) que também é função dos jogadores secundários eventualmente acertar uns arremessos para tirar o peso das costas de quem é o maior responsável por marcar os pontos da equipe.

Outra coisa, o LeBron James ficou tão fora do jogo no ataque que isso parece até ter afetado a defesa dele. Tiveram umas duas infiltrações do Shawn Marion em cima deles (uma com direito a trash talk depois da cesta) que devem ter deixado o Derrick Rose indignado. Por que aquela defesa fora de série contra o Bulls e essa coisa desleixada contra o Mavs? Sei lá, não é a primeira vez que o LeBron parece desinteressado em um jogo importante, mas também se ele voltar no próximo jogo e ser o cara mais espetacular da história da humanidade não será surpresa. Sei que se Marion, Terry, Kidd e Barea (além de DeShawn Stevenson, com importantes bolas de 3!) continuarem ajudando Dirk no ataque o Heat irá precisar da versão mais inspirada do LeBron no ataque por pelo menos dois jogos. Conseguir ele consegue, fácil, mas às vezes bate aquela preguiça...

3 comentários:

Chico disse...

Acho que a vontade incondicional que o LeBron tem de ser mais baixo, e jogar como PG não permitem ele de usar a força física sobre o Kidd, o Stevenson ou sobre o Terry. O que mais me impressionou em relação a isso foi que a defesa em zona do Mavs que sempre mantinha Marion e Kidd revezando entre LeBron e Wade se tornou em alguns momentos uma defesa individual com Marion no Wade e Kidd no LeBron!!! Marion é um dos melhores defensores na NBA hoje em dia (na minha opiniao é o melhor) e deu conta de Durant e Kobe no perímetro, e por vezes foi obrigado a se manter no Wade pois LeBron parecia não demonstrar perigo. Pois bem, com LeBron assim o final não teria sido outro.

Thiago Pereira Vital disse...

Legal o post!
Chico concordo com tudo que vc disse, menos que Marion é o melhor marcador da nba atualmente... sei lá, é difícil afirmar nesse caso. Talvez na posição dele ele esteja no top três. Tirando que o sistema de jogo ajuda muito ele.
Era muito engraçado, o kidd marcando o LeBron e este não fazer nada, porra!! vc pesa pelo menos uns 25kg a mais que o kidd e é 12 anos mais novo que o veterano! Custa tentar uma infiltração Sr. James?!! hahaha.
Bom foi pro Dallas que pode colocar seu melhor marcador em cima do principal pontuador do Heat.

Benito disse...

Belo post!